Fala do Núcleo de Cidadania Ativa da UNESP/Franca na sessão da Câmara dos Vereadores de 07 de Fevereiro de 2017

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(Fala na Tribuna da Câmara na sessão do dia 07 de Fevereiro. Imagem veiculada no programa "Balanço Geral" da TV Record SP )

Caros senhores vereadores, a quem cumprimento na pessoa de seu presidente, vereador Marco Garcia, e demais presentes - bom dia!

Estou aqui hoje em resposta à sessão do dia 17 de Janeiro que, entre outros temas, tratou da questão do Centro POP.

Sou Adolfo Mariano, munícipe, estudante de Direito da UNESP de Franca e Coordenador Executivo do Projeto de Extensão Núcleo de Cidadania Ativa da UNESP, grupo de extensão voltado para o estudo e prática do Controle Social das políticas públicas de Saúde e Assistência Social aqui no município. 

Sempre buscamos desenvolver nosso trabalho em sintonia, parceria e diálogo com os conselhos municipais de saúde e assistência social e demais aparelhos públicos que de alguma forma prestam serviços nessas áreas. Portanto, foi com completa surpresa que recebemos a notícia de que supostamente estaríamos envolvidos em um relatório que corroborava a tese levantada pelos senhores vereadores Della Mota e Correia Neves Jr. de que o Centro POP era, em suas palavras, “um fracasso e deveria ser extinto”. Pois bem, é nesse sentido que venho primeiramente negar que tal relatório tivesse procedência do nosso grupo, fato que preciso salientar pois o vereador Della Mota se referiu genericamente a “estudantes da Unesp que fizeram uma visita em Agosto” - exata época em que começamos nossa parceria com o Centro POP, o que fez com que várias pessoas pensassem que se tratava do nosso grupo. De fato, a única movimentação pública que nosso grupo fez até hoje sobre o tema foi um pequeno relato de nossa visita às instalações do Centro POP, ocasião na qual coletamos dados passados pelos próprios funcionários, sem tirar nenhuma conclusão. Pedimos portanto que ele se explique, pois ou utilizou-se deste relato e o adulterou, ou utilizou-se do relatório de algum outro estudante ou grupo e nesse caso requisitamos que especifique a autoria, ou simplesmente este
relatório não existe.

Aproveito agora para fazer alguns apontamentos sobre a fala dos senhores.
O senhor Della Mota relembra em sua fala o fato de que o Centro POP fora instituído pelo decreto 7053 de Dezembro de 2009, portanto sabe bem que se trata de um serviço devidamente previsto tanto na Política Nacional de Assistência Social quanto neste mesmo decreto 7053, em seu artigo 7º, incisos VII e XII e artigo 8º.

Portanto o que eu gostaria de frisar aqui e que são pontos centrais na temática é que: o serviço deve compreender um padrão básico de qualidade, ou seja, os usuários deste serviço são tão dignos de receber acolhida, alimentação e condições de higiene quanto qualquer cidadão deste município, pois, sim, são tão cidadãos quanto os demais. Cidadãos com um imensurável valor humano e que também estão entre aqueles que os senhores devem servir enquanto no uso da Função Pública deste município.

Quanto aos usuários, em nosso trabalho, inclusive, conhecemos diversos com as mais diversas histórias: desde trabalhadores desempregados, imigrantes em busca de trabalho, pessoas que passaram por um grande trauma ou perda familiar e se voltaram para a rua, indivíduos com problemas psicológicos ou não. Usuários ou não de drogas. E quanto a isso eu vos asseguro: não cabe a nenhum de nós fazer qualquer tipo de juízo valorativo sobre estes cidadãos. A Política Nacional de Assistência Social é clara e específica e relembra que a Assistência Social é direito de quem dela precisar.

Por isso, foi com imensa tristeza que vimos na fala do sr. vereador uma série de comparações que não buscava uma análise objetiva do caso, mas formas de já preconcebidamente condenar o serviço e aqueles que dele usufruem.

Ressaltamos, que não é papel do Centro POP cercear a liberdade de ninguém visto que vivemos em um Estado Democrático de Direito no qual as Liberdades Individuais ainda constituem direito fundamental previsto no artigo 5º da CF. Portanto, se o usuário ainda decidir ficar nas ruas, é escolha dele. E não há absolutamente NADA que se possa fazer ou que se deva intervir. 

Em casos que envolvam ilícitos, como contravenções ou crimes, caberá ao Poder Judiciário julgar e definir as medidas a serem tomadas, quando necessárias, mas repito: não é prerrogativa do Legislativo nem daqueles que ofertam o serviço decidir quem “merece” ou não ser tratado. Muito menos pré julgar o que alguns possam fazer, mesmo porque vigora o princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual ninguém é culpado até que se prove o contrário.

E não, não pagamos segurança para delinquente, nas palavras do vereador Correa Neves, pagamos segurança pra cidadãos usuários e cidadãos que lá trabalham.

O sr. vereador Della Mota também fala na sequência, sobre o aumento nas taxas de roubo e lesão corporal nas imediações desde a implantação do Centro POP. 15% e 14% respectivamente e, como pesquisador, cabe-me perguntar: qual a fonte destes dados? O que exatamente significaria “imediações” e qual o limite geográfico que essa pesquisa delimita? O que efetivamente comprova a relação destes crimes com o Centro POP? Sabemos que desde a implantação do Centro POP uma série de acontecimentos relevantes ocorreram em nossa cidade, afinal são 4 anos de 2013 até hoje. E acho difícil sustentar que alguém tomaria a decisão de se tornar morador de rua só porque o Centro POP existe.

De qualquer modo, vários podem ser os fatores que contribuíram para o aumento da população de rua, como por exemplo o aumento no desemprego, chegando nossa cidade a ter expressivos 4,2 mil vagas fechadas nos últimos 3 anos segundo reportagem do próprio portal GCN. Em tamanha crise econômica, aliada a outros fatores externos e internos, não poderia ser este também um dos fatores que contribuíram para aumento nos crimes envolvendo patrimônio e aumento na população em situação de rua?

Mesmo porque sabemos que a população em situação de rua não é fixa e não se concentra no centro, mas descreve fluxos entre vários bairros da cidade, algo que eu pessoalmente constatei em nossas pesquisas.

Mas enfim, deixemos que profissionais competentes avaliem essa situação e tracem diagnósticos. Mesmo porque, contrariando a fala do sr. vereador Correa Neves, quem entende de Assistência Social definitivamente não é o Legislativo nem o Executivo, mas sim os profissionais de Serviço Social – profissionais do mais vasto conhecimento e experiência. Portanto, o caminho não é autoritariamente decretar a “extinção” da “maravilha do Centro POP”, mas antes envolver os profissionais de Serviço Social e diversas áreas, os profissionais do Centro POP, o Conselho de Assistência Social, o sr. Secretário de Ação Social - Edgar Ajax, a Sociedade Civil e as Universidades para definir os melhores rumos para aperfeiçoamento deste serviço que, se não é ideal, também não tem encontrado o mínimo de respaldo por vários indivíduos no Poder Público. Se os srs. Vereadores são de fato fiscalizadores do povo, que fiscalizem os pontos negativos para que possam ser aperfeiçoados, dando sempre o apoio que os profissionais que ali trabalham merecem.

Ressalto ainda que não há lógica alguma em buscar desmontar todo um serviço para ter q repensar o atendimento por meio de comunidades terapêuticas, o que também foi levantado na sessão do dia 17.
Já temos uma estrutura em funcionamento que não pode ser desperdiçada e que jamais seria substituída integralmente pelas comunidades terapêuticas, mesmo porque o próprio Centro POP realiza uma série complexa de serviços que vão desde atendimentos psicológicos, médicos, as oficinas, os trabalhos de ressocialização até encaminhamentos. Uma série complexa de serviços que não pode ser tão simplificada como as vossas falas demonstraram. Além disso, nada comprova que a terceirização garantirá eficiência e baixo custo, algo que nosso próprio município vem mostrando nos últimos anos.

Ressaltamos assim a completa ilegalidade da extinção de um projeto devidamente regulado por lei e que contempla a uma parcela da população que necessita de tratamento. Não só necessita, tem direito ao tratamento. Não se extingue um serviço para depois pensar no que fazer.

Deste mesmo modo, mudar o Centro POP de local por si só também não faz sentido, pois assumindo que o Centro POP tem falhas, estas não se solucionariam com mudança de local – só se estaria distanciando o problema da região central, e então cumpre perguntar qual o interesse desta mudança? 

Enfim, lembro-me de ouvir que o Centro POP sustenta sujeitos que acabam enriquecendo o crime organizado. Senhores vereadores, temo que discordamos em mais este ponto, parece-me que o verdadeiro crime organizado, aquele imperdoável na justa medida de sua impunidade e dos graves reflexos que traz para a sociedade, não se sustenta de moradores de rua nem tampouco se veste
de trapilhos. 

Não, hoje sabemos que o Crime Organizado é mais sofisticado e veste-se de ternos e reveste-se de hipocrisias. Esse crime está presente em todo o sistema político e social brasileiro, desde a política que regula as relações cotidianas dos cidadãos até as políticas que permeiam as relações entre governos, municípios e estados.

Mas apesar de tudo, resistiremos. Os Direitos Sociais sobreviverão – é este o compromisso do Núcleo de Cidadania Ativa.

Por favor, vamos ampliar esse diálogo, com todos aqueles que possam contribuir para ele. Se o nome da UNESP foi invocado, presumo que estejam dispostos a buscar soluções em conjunto, afinal pra isso serve a democracia e para isto estudamos e nos dispomos.

E, enfim, não endossamos nenhum relatório pelo fim do centro pop.

É, afinal, como pensa o Núcleo de Cidadania Ativa da UNESP de Franca.


Dado em Franca, aos 07 de Fevereiro de 2017.


Adolfo Mariano - Coordenador Executivo.
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