Direitos Humanos, Cidadania, Diálogo e Justiça

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            O modelo democrático brasileiro, por certo, provém da necessidade e do clamor popular por liberdades civis e participação popular no governo. Ipso facto, a Constituição Federal privilegiou a liberdade de associação, de imprensa e de acesso a informação como fundamentos essenciais à vivência democrática. Não obstante, não é por acaso que logo após dissertar sobre as liberdades públicas, quase que como uma conditio sine qua non, a sequência nos mostra o capítulo II sobre os Direitos Sociais. Desta forma, é latente a intenção do Constituinte em nos apresentar a ordem para o estabelecimento de “um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais” (BRASIL, 1988, preâmbulo). É que a própria liberdade civil possibilitaria o amadurecimento político e, consequentemente, o estabelecimento de movimentos populares e coletivos que visassem à postulação de diretrizes de governo e administração pública. Isto porque, rememora-nos Rousseau, “a soberania não pode ser representada […] Os deputados eleitos pelo povo não são e não poderiam ser seus representantes; eles são meramente seus agentes e não podem tomar nenhuma decisão em carácter final” (ROUSSEAU, 1968, p. 141, grifo nosso), id est, a própria participação da população no governo o confere legitimidade e soberania. Desta leva, parece-nos, portanto, lógico supor que não há democracia que se limite aos Direito de Liberdade, ou Direitos de Primeira Dimensão, mas estes se constituem uma pedra fundamental para a ordem jurídica democrática. Então, uma vez asseguradas as liberdades públicas, cumpre ao Estado também, na ordem contemporânea, agir positivamente na sociedade a fim de que se protejam Direitos Sociais.
            Isto posto, cumpre lembrar a lição que se tira do alemão Jurgen Habermas, cuja teoria, não obstante partir de um outro contexto social e político, pode ter variados proveitos para o cotidiano. Inclusive, a abordagem de Habermas aqui não tem nada de original, mas já vem sendo fonte de inúmeros debates no campo do Direito e da Ciência Política. De qualquer modo, o filósofo (1989) oferece na comunicação a solução derradeira para o imbróglio: é que a própria população far-se-ia audível perante o clamor coletivo, que pressionaria e iria impelir os governantes a trabalharem em consonância com a vontade da população[1]. Nesse sentido, o âmago da soberania não residiria nos governantes enquanto representantes, mas sim enquanto prestadores de um serviço burocrático e administrativo: a soberania é inalienável e intrínseca ao povo, em consonância ao dito por Rousseau. Essa pressão exercida pela própria população só se tornaria possível através da associação de vozes em um coletivo que fizesse força através de um processo dialógico de formulação de discursos até que se chegasse a um consenso. Este consenso, por ser oriundo do povo, seria legítimo e soberano, um fio condutor para as ações dos governantes.
            Assim, a experiência nos ensina que, uma vez protegidas as liberdades negativas dos cidadãos, os anseios populares irão se precipitar espontaneamente em períodos de crise, organizando-se em movimentos sociais em busca de melhorias. Daí a importância de se proteger a livre associação para maior integração da sociedade. Daí também  a importância de espaços institucionalizados que preconizem a participação da sociedade civil, tais quais os Conselhos de Políticas Públicas.
            Aliás, nesse mesmo sentido, se antes já pontuamos a importância de se abrir a gestão pública para a participação da população, inclusive citando a importância do diálogo em Habermas, uma questão latente que se inaugura com particular força no começo do século XXI e que é digna de pontuação é que não mais esse clamor e esses movimentos necessitam de um amplexo físico para a consecução de seus desideratos (a comunicação). Doutro modo, o advento da internet propiciou a construção massiva de novas possibilidades para novos atores sociais, originados de grupos sociais e interações cibernéticas. Nesse sentido, impossível não citar os pensamentos do célebre e atualíssimo Castells (2012, p. 162) quando este, referindo-se às emanações populares no contexto das Revoluções Árabes do século XXI (i.e. Primavera Árabe[2]), aduz que:

            Quando se desencadeia o processo de ação comunicativa que induz a ação e a mudança coletivas, prevalece a mais poderosa emoção positiva: o entusiasmo, que reforça a mobilização societária intencional. Indivíduos entusiasmados, conectados em rede, tendo superado o medo, transformaram-se num ator coletivo consciente. Assim, a mudança social resulta da ação comunicativa que envolve a conexão entre redes de redes neurais dos cérebros humanos estimulados por sinais de um ambiente comunicacional formado por redes de comunicação. A tecnologia e a morfologia dessas redes de comunicação dão forma ao processo de mobilização e, assim, de mudança social, ao mesmo tempo como processo e como resultado. (CASTELLS, 2012, p. 162, grifo nosso)

            Não obstante o autor se enfoque no dito movimento, talvez maximizado na internet justamente por ausência de proteção negativa na região, a essência do pensamento pode ser aplicado em nossa sociedade, dada a sua matriz cultural predominantemente ocidental somada à conexão quase irrestrita com as redes sociais que nossa população experimenta hodiernamente. Maior prova disso, é que foi justamente após os levantes populares brasileiros de 2013, organizados em sua maioria pela internet, que se precipitou uma movimentação nacional com tamanha força no país a ponto de reverter decisões do governo e de induzir à formulação, no ano seguinte, da Política Nacional de Participação Social.
            De fato, percebemos que nos referidos movimentos de 2013 a voz não era consensual, mas apontava, em linhas gerais, para um mesmo sentido. Explicamos: embora as reivindicações fossem diversas e as orientações políticas ainda mais, o povo se sentiu acolhido mutuamente em movimentos que buscassem o fim da corrupção e melhorias nos governo. Tanto é que os movimentos se repetiram, mesmo que em menor proporção, nos anos subsequentes.
            E, por conseguinte, como reflexo das manifestações, é reconhecida a necessidade de participar a população dos atos governamentais e de aumentar a intersecção entre a sociedade civil e os governantes. Inclusive, tal participação não deve se limitar a uma expressão quantitativa da sociedade, mas principalmente qualitativa em termos de representatividade. Pois este é o centro do debate em torno da democracia participativa: a de que os sujeitos devem participar por meio da emancipação e formulação conjunta de bens juridicamente tutelados. Por isso, deve-se buscar a valorização da transparência na escolha daqueles que irão compor os espaços de deliberação, além de contemplar a diversidade que acompanha nosso país e de prever a efetivação de sistemas paritários de composição.
            É tendo essas incógnitas em mente que o Núcleo de Cidadania Ativa trabalha, agora com a formulação das Comissões de Direitos Humanos e Cidadania e Justiça, agindo na busca pela emancipação dos sujeitos através do empoderamento de grupos em situação de alta vulnerabilidade social, para depois agir no assessoramento e formação técnica permanente em Direitos Sociais e Políticas Públicas.
            Venha conosco, venha pro Núcleo!!!




Adolfo Raphael Silva Mariano de Oliveira
Coordenador-Executivo do Núcleo de Cidadania Ativa da UNESP/Franca.



[1]     Habermas conceitua o Direito como mediador na relação entre as interações sociais e a organização do Estado. Desde modo, considerando que a atuação comunicativa possa levar a uma crise sistêmica na qual o ambiente burocrático e as esferas de poder (i. e. dinheiro ou o sistema capitalista como um todo) sobrepõe-se aos ethos pessoais e coletivos, é função do Direito manter o equilíbrio para que a coesão social persista e, mais do que isso, para que a própria população consiga agir sobre o poder administrativo da máquina do Estado. Cf. REPA, 2008, p. 55 – 72. A participação do Direito ao assegurar a possibilidade de tais esferas de diálogo em Habermas não se difere da lógica que a legislação brasileira encontrou para a criação do Controle Social das Políticas Públicas.
[2]     Não utilizamos o termo midiático por entender que este é repleto de orientalismo (Cf. SAID, 2012) e não é condizente com as concepções culturais e sociais daqueles povos, mas uma invasão terminológica do ocidente em alusão ao episódio conhecido como “Primavera dos Povos”. 
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